quarta-feira, 10 de março de 2021

O D20

https://rpgmaisbarato.com/assets/upload/produtos/102018/95681_dado-d20-avulso-preto_5bbe6870df906.jpg


Certo, você já sabe o que é RPG, está cansado de saber. É um jogo de histórias, um jogo que se constrói na narrativa. Histórias exigem personagens. Por isso você e um grupo de amigos controlam, cada um, um personagem. Basicamente é como brincar de faz de conta, só que com regras.
Isso se fez visível nas campanhas clássicas de Blackmoor do Dave Arneson e Greyhawk do Gary Gygax. As duas campanhas foram sendo desenvolvidas em ritmos diferentes, com refinamentos diferentes, até chegar no produto Dungeons & Dragons em 1974. 

O D&D original de 1974 funcionou como um dos possíveis produtos da experiência anciã de jogos de interpretação de papéis. Jogar RPG é pra ser uma experiência única, um jogo que se sustenta na narrativa e explora algumas ferramentas de julgamentos para determinada coisa aqui e acolá. Desde 1974, a ferramenta de julgamento que se tornou muito presente foi o dado de vinte faces. Em circunstâncias normais, mostrar um dado de vinte lados para um leigo é quase como mostrar um item mágico maravilhoso. Afinal, dados normalmente tem apenas seis lados. Da mesma maneira, mostrar um dado de seis lados para um jogador assíduo é quase como mostrar uma reles formiga. Os d6 são tão rotineiros, são comuns, tão padrões, que muitas vezes são alvo de certo preconceito para com RPGistas. Que graça tem num dado de seis lados, né? Resultados de 1 a 6 apenas, certo (salvo quando há um modificador)? Bom mesmo é o d20, não é mesmo? Ou melhor mesmo é o d100?

Eu normalmente cago e ando para "dados de RPG". Afinal, eu amo jogar RPG "de mãos nuas", ou seja, sem dados. Meu julgamento fica mais por conta da lógica ficcional, e é só isso. Mas tem uma coisa que não me sai da cachola. Como demônios alguém joga com um d20? Sério, qual é a graça que veem num icosaedro? Eu não sei, RPGistas são todos uns imbecis (eu me incluo nessa).

Bobeiras à parte, eu me peguei indagando a respeito do peso mecânico que o dado aplica na mesa de RPG. Pensemos nos sistemas diferenciados que surgiram ao longo dos anos. No GURPS, por exemplo, os clássicos 3d6 eram a graça do jogo, cada jogador os rolava de acordo com a característica testada. Nas mesas de Vampiro os jogadores usavam pilhas de d10. À partir dos anos 2000, além do set de dados clássicos do D&D, viu-se o uso de miniaturas. Na Quarta Edição, cada jogador tinha um set de dados a mais. Jogavam o d20 para uma perícia específica. Pois é, outra vez o uso de d20. O uso de d20 foi implementado desde que se inventou a ideia de acertos e erros advindo da Categoria de Armadura dos jogos navais.
O dado de vinte lados sempre foi motivo de um jogo tornar-se muito caótico. O lance deste dado maldito era o mais pesado dentre tantos outros. As apostas são perigosas, e o d20 nada mais é do que o grande arauto de apostas pesadas. A causa e o efeito do vício por alcançar números grandes para ser bem sucedido. Jogadores mercenários e mestres carrascos querendo sempre mais e mais, como verdadeiros descerebrados gananciosos. Essas apostas malvadas que são uma realidade na Terceira Edição, onde você tinha a regra do bônus base de ataque (BBA) que somavam ao d20 muitos bônus, na Quarta Edição onde haviam diversas perícias diferentes em uma cena, e cada sucesso ou falha direcionava o andamento da narrativa para um lado.

É horrível como no D&D e outros que usavam como o d20 dado base tinham essas mamatas para ter maior probabilidade de sucesso. Por um lado isso deixava os resultados baixos um pouco de lado, por outro lado isso criou um vício em números altos, jogadores e mestres levados a quererem sempre mais e mais. De um modo geral, o resultado de um dado é uma ferramenta de julgamento, e é usado ao lado da criatividade e cuidado para não cair em armadilha do calabouço, ou ser enganado por uma feiticeira.
O peso do dado gera momentos de clímax, mas também eventualmente te torna muito dependente dele. Desde que me entendo por mestre, eu jamais me senti à vontade com rolagens (boas ou ruins), tinha medo de virar um "escravo das rolagens de dados". Isso foi algo que veio com minhas péssimas experiências com jogatinas que não eram de meu agrado. Não eram iguais as que eu faço hoje.

O jogo funciona melhor quando você usa ferramentas, e não regras. Nisso, você deixa a narrativa como o verdadeiro foco, os jogadores são desafiados e a mecânica é unicamente o julgamento rápido e imparcial do mestre, tendo um dado ou não tendo um dado como suporte. Lidar com rolagens é um ponto inquietante no jogo, por mais que você tenha uma mecânica simples que funciona nas situações onde se faz necessária. A espadada de um aventureiro machuca o dragão ou apenas resvala em suas escamas duras como ferro? Para estas situações específicas onde o resultado é incerto, você joga o d20 (foco principal do assunto aqui), você compara o resultado a um número-alvo, determinado pelo mestre, e caso o personagem consiga atingir aquele número, deu tudo certo.

Por mais que pareça legal jogar com d20, é preciso levar em conta logística que esse dado impõe (assim como os dados multifacetados) Dados de vinte faces são vendidos em lojas especializadas. E o mais provável é que você não tenha acesso a nenhum ponto de venda que ofereça estes dados se você for um azarado (ou não souber procurar direito). Caso você não tenha grana sobrando para comprar estes dados geralmente caros pra burro, você pode substituir uma rolagem de 1d20 por uma rolagem de 1d6, 2d6 ou 3d6. Fácil, não? Afinal, dados de seis faces são mais comuns e simples de encontrar no comércio. Aqui perto de casa tem um bazar onde tem conjuntos de d6 à venda (eles são simples, mas são lindos!). Estes
dados também podem fazer parte de outros jogos que você já tenha em sua casa. Aproveite-os então! Jogue RPG com eles!

Perceba que os números obtidos são diferentes, e afetam o próprio clima do jogo. Na maioria das rolagens os resultados serão mais próximos da média, entre 9 e 12. E críticos (3 ou 18) serão muito mais raros. Como na vida real: eventos prováveis acontecem mais frequentemente, e eventos improváveis mais raramente. Rolagens de 3d6 tornam as suas aventuras mais sóbrias e realistas. Se quiser, o mestre pode adotar esta regra mesmo quando o d20 está disponível.

Eu particularmente gosto muito mais de jogar com d6 do que jogar com d20. É satisfatório, é simples, é gostoso, é fluffy. Jogar com d20 é bom apenas quando você quer um jogo mais cinematográfico. Mas honestamente eu jogo sem rolagens de dados 99,9% do tempo. Depois de jogar sem dados com frequência, devo dizer que é libertador.